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6 e 7 de Xullo


Querido Diário:


As meninas combinaram ir às termas a Ourense. A Alba foi lá passar o fim-de-semana, a Berta sugeriu ao Juliano lá ir, e a Tânia, a Rocío e a Celeste juntaram-se e foram lá ter de camioneta. Eu e o AC preferimos não gastar esses pontos, já que Ourense fica perto para irmos noutra altura, quando estivermos de volta a Braga. 

Preferimos, antes, tirar a tarde para ir a Padrón visitar a Casa Museo da Rosalía de Castro. Apanhámos o comboio na estação e demorámos apenas uns 15 minutos a chegar lá. Como é lógico, esta história da viagem não podia ser livre de aventuras, e depois de ter gabado muito a entrada para as carruagens por não terem escadas e ficarem ao nível do apeadeiro na estação de Compostela, já não pensei o mesmo ao chegar ao apeadeiro de Padrón.

Parecia que estávamos a chegar a Ruilhe, só que com uma distância muito, muito maior da plataforma de saída até ao chão. Fiquei à espera que aquilo descesse, um pouco em pânico, e tive medo de colocar lá o pé porque achei que iria partir. Assim sendo, dei uma espécie de volta sobre mim mesma e aterrei em cima do pé esquerdo, que se manteve firme no chão e não me deixou cair, mas não sem se ressentir numa dor aguda no calcanhar.

Andámos até ao centro da cidade, depois de passar uma ponte sobre um rio cheio de peixes gigantes (aqui tudo é giante: os gansos, os patos, os peixes, que sei eu), pelo que a dor no pé foi aliviando. Estava montada uma feira medieval no centro da vila, mas estava tudo fechado porque era hora de almoço. Encontrámos um sítio agradável para comer e pedimos os famosos pimentos!!

Nenhum picava. Essa foi a derradeira prova de que já não existe a mesma produção de pimentos padrón como dantes. O AC desconfiou que talvez pudessem ser comprados no Carrefour, mas preferimos continuar a acreditar que comemos os mais originais de sempre. Comemos ainda chipiróns fritos com limão e experimentámos a zorza. 

Quando saímos da mesa o meu pé acusou a dor aguda outra vez, agora pior do que nunca, mas no caminho de volta para o lado da linha de ferro (porque é justamente do outro lado que está a casa da Rosalía) voltou a atenuar. Foi muito emocionante estar ali. O AC estava perdido de consolo. Logo na primeira exposição, que é possível acompanhar com um audio-guia, vi uma fotografia incrível da Rosalía com o marido, o Murguía, e os filhos. Perceber que estava a pisar os mesmos espaços que ela pisou naquela casa foi estranhamente reconfortante; achei que ia ser mais arrepiante do que acabou por ser para mim.

Numa outra sala havia mais relatos e na terceira, por trás de vitrines, páginas das publicações originais de Cantares Gallegos e Follas Novas, e podia ouvir-se música tocada por várias bandas e artistas de estilos musicais diferentes com letras de poemas da Rosalía. Mais à frente estava recriada a sua cozinha e logo depois as escadas que levavam ao segundo andar. Aí, o quarto das filhas, onde se explicava que Rosalía gostava de escrever, de frente para a janela que dava para o jardim, virado para o comboio.

Do outro lado, mas no mesmo piso, estava o seu escritório, onde recebeu inúmeras visitas. A seguir, uma espécie de antecâmara do quarto, onde estava um vestido a recriar aquele com que fora eternizada em pintura e fotografia, um vídeo com diferentes imagens de mulheres galegas, agricultoras, trabalhadoras, e algumas frases lidas de textos sobre mulheres. 

Por fim, o seu quarto. A cama onde morreu, já doente, e a janela por onde queria ver o mar. "Abride a fiestra que quero ver o mar", está escrito na parede por trás da cama. 

Não escapámos à tentação de gastar uns quantos cartos na loja do museu, mas valeu muito a pena porque trouxémos, cada um, a obra completa da Rosalía. A edição não é a mais bonita do mundo (a que tenho de Cantares Gallegos, que a minha tia Pin me ofereceu pelo Natal, é muito mais incrível), mas reúne todas as obras escritas por ela, incluíndo alguns poemas sem livro. E o preço era, de longe, absolutamente convidativo, tendo em conta que a soma de todos os seus livros ultrapassaria grandemente aquele valor. 

Voltámos ao apeadeiro de coração cheio e um pouco cansados. O meu pé começava de novo a doer. Subir para o comboio foi uma nova aventura, temi que pudesse cair ou não conseguir levantar o rabo para me erguei sobre a tal plataforma. Muito esquisito tudo aquilo!!

Quando voltámos para a cidade, deparámo-nos com dezenas de autocarros estacionados em fila em frente à estação de comboios. Percebemos que havia um concerto do Alejandro Sans do Monte do Gozo (ainda não sabemos onde isso fica!) e foi divertido ver toda a gente a chegar, na maioria mulheres, felizes e airosas. 

Apanhámos um autocarro até à residência e um grupo de senhoras, histéricas com a sua ida para o concerto também, começou a cantar. Uma gritou: ALEJAAAANDROOOO!, o que deu o mote. Quien me vá a entregar sús emociones, quien me vá a pedir que nunca le abandones...Corazón partido em Compostela. Não conseguia parar de rir e o AC estava fascinado com aquele à vontade. Julgo que agradeceu por eu não me ter juntado ao coro!

Quando finalmente voltámos, tive que roubar um saco plástico que envolvia uma embalagem nem sei bem do quê do congelador para poder aplicar gelo no meu calcanhar. Não estava fácil conseguir andar!

No dia seguinte, no domingo, estava pior; voltei a "fazer gelo", com os recursos possíveis, e passei o dia com os pés ao alto na cama, encostados à parede, para mantê-los elevados. Para além do calcanhar também estavam muito inchados (continuam!!) por isso decidi que era a posição mais acertada.

Descarreguei do Netflix a temporada 3 de Stranger Things e vi quase todos os episódios! O AC saiu de casa para ir espairecer e quando voltou, disse-me no dia seguinte, só ouvia barulho de batalhas e efeitos especiais que saíam do meu telemóvel!! (Estas paredes são claramente demasiado finas).

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